domingo, 31 de agosto de 2008

O papel social da televisão

Por Juliana Sartore


Uma visão da programação de qualidade na TV como direito assegurado pela Constituição aos cidadãos brasileiros foi apresentada no painel sobre direitos das crianças e dos adolescentes, que abriu os debates do segundo dia (28/08) do 4º Encontro Internacional RIO MÍDIA. Domingos Savio Dresh da Silveira, procurador regional da República do Rio Grande do Sul, e o colunista da Folha de S. Paulo, Daniel Castro, partilharam com o público a discussão sobre a qualidade dos programas exibidos ao público infantil nas redes aberta e fechada da televisão brasileira.
“Não estamos aqui falando de regras de boas maneiras. Cada um neste país tem o direito a uma programação de qualidade, porque esta é a função social das empresas de televisão prevista em artigos da Constituição”, enfatizou Domingos da Silveira.

O procurador ressaltou os artigos da Constituição brasileira que tratam dos princípios da produção e da programação das emissoras de rádio e televisão, entre eles a preferência às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, pouco respeitada pelos programas veiculados. A falta de uma programação que cumpra as garantias dadas ao cidadão na Carta Maior gera, segundo Silveira, um risco social menos visível e, por isso, difícil de ser combatido.
Citando Pierre Bourdieu, o procurador lembrou que a televisão tem a particularidade de produzir o efeito do real e, assim, torna-se um instrumento de criação da realidade. “Há mais TVs no Brasil do que fogões e geladeiras, segundo a Amostra Nacional por Domicílio realizada pelo IBGE. Portanto, a TV tem caráter onipresente e é mediadora da existência social. A utilização indevida dessa concessão tem um efeito nefasto na sociedade. As televisões produzem muito 'telelixo', que promove a destruição de valores concretos, como programas que pregam a homofobia como humor. As crianças reproduzem, sem consciência, esse conjunto inesgotável de preconceitos. Há ou não aí um processo de destruição da infância?”, questionou Silveira.

Para discutir a qualidade do que é produzido e veiculado na TV, o colunista Daniel Castro traçou uma relação com o que ocorre hoje com a audiência de programas infanto-juvenis. A programação para crianças e adolescentes na TV aberta é bastante inexpressiva, em números de horas, na grade diária das emissoras, principalmente, se comparada à dos anos 80. De acordo com a análise, os canais que dedicam mais espaço a esse tipo de programas exibem muitas atrações importadas ou são emissoras públicas, sem dependência de verbas publicitárias. Relacionando programação e publicidade, Castro demonstrou um dos nós da TV aberta.

“Hoje, há uma tendência da TV aberta a ter menos programação infantil, devido à queda do investimento publicitário. Iniciativas como a proibição de propaganda nos intervalos de programas infantis levarão o gênero à extinção na rede aberta”, disse o colunista, que considera a proibição um equívoco, já que crianças costumam assistir com freqüência a programas voltados a adultos.

Segundo Castro, dados do Ibope sobre a TV aberta revelam que, em junho deste ano, os programas mais vistos por crianças de 4 a 11 anos no Brasil foram duas novelas, seguidas dos jogos de futebol às quartas-feiras. Apenas na quarta posição aparece um desenho infantil. Outros dados apresentados pelo palestrante dão conta de que crianças e adolescentes de 4 a 11 anos assistiram, em média, a quatro horas e 50 minutos de programação na TV aberta por dia em 2006. Diante do declínio de programas adequados às necessidades da faixa etária, a informação preocupa. “Hoje, há emissoras que não dedicam nem um minuto à programação infantil”, salientou.

O resultado da inadequação são crianças expostas a informações de forma precoce, sem uma produção que estimule e enriqueça seu desenvolvimento. Mas a realidade empobrecida da mídia para crianças e adolescentes ainda pode ser modificada. Neste sentido, o procurador Domingos da Silveira destacou a atuação do professor e de cada cidadão.

“A mídia nos coloca que o único tipo de controle possível é o controle remoto. Não está gostando, então muda de canal. Isso não é verdade. Existem instrumentos para superar esse quadro, como a atuação dos conselhos tutelares e a classificação indicativa. Este é o primeiro passo democrático para que as famílias possam decidir sobre a programação com base em uma informação prévia. Nós, cidadãos, podemos reclamar sobre programas inadequados ao Ministério Público. O professor, por sua vez, tem o papel de criar cidadãos televisivos, com uma atitude mais crítica diante da TV. Não é natural termos a televisão que temos. E isso pode ser mudado”, concluiu Silveira.

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