terça-feira, 4 de novembro de 2008

O QUE PODE VOCÊ, PROFESSOR

O que se espera de você, professor

Alberto Tornaghi
Introdução

Meu caro colega professor, este texto é um misto de provocação e convite que lhe faço. Uma provocação de colega que acredita que podemos, mais do que isso, que precisamos, devemos, construir uma nova identidade profissional para nós. É urgente que, cada escola assuma localmente a função de definir o que e como se faz educação em seu espaço, adequando os programas à sua realidade, definindo metodologias e o projeto político pedagógico. Para isso é necessário incorporar à nossa lide a função de, em rede e de forma colaborativa, procurar, estudar propor e divulgar uma nova forma de ser para nossas escolas, fazer delas um espaço em que possamos criar e compartilhar soluções para os problemas reais que enfrentamos. Se isso traz alguma complexidade pela novidade, traz também mais prazer e poder, por certo.

Já não basta à escola de Educação Básica o papel de repetidora do que se produz fora dela, de executora de políticas, metodologias e concepções pedagógicas criadas fora dela. Cabe a nós, à escola que somos, em que trabalhamos e vivemos cotidianamente, a decisão do que fazer dentro dela. Não sozinhos, não de forma autoritária e arrogante como o professor de outros tempos que dizia “desta porta para dentro quem manda sou eu”. A provocação é para buscarmos em rede, em parceria formas de trocar o autoritarismo arrogante por autoria libertadora, autoria que resulta em conhecimento e autoridade para definir e defender o melhor projeto de escola para aquela realidade.

Aí está o convite: é para que faça parte dessa rede, que se prepare para o exercício de autoria, em parceria com colegas, alunos e os recursos que dispõe em sua escola. Vamos discutir neste texto algumas possibilidades de tornar possível a participação nessa rede e, ao mesmo tempo, fazer dela uma rede produtiva.

Uma tal de antropofagia

Oswald de Andrade, em 1928, escreve o manifesto antropofágico. Explicita ali uma concepção de fazer artístico e cultural brasileiro que os modernistas vinham experimentando, um fazer que “bebe em todas as fontes”, deglute o que vem de fora e constrói uma forma toda própria de manifestação. Sem nada negar daquilo que chega, nem de onde chega, os modernistas incorporaram essas manifestações, as transformaram e produziram novas manifestações, bem brasileiras.

Já é tempo de aprendermos com os modernistas. Faz quase um século que nos ensinaram que o fazer brasileiro não é europeu, não é indígena, nem negro: é tudo isso ao mesmo tempo. Tudo misturado, resultando em produção nova, original, diferente do que se encontrava em cada uma das culturas de origem. Muito mais do que superposição, uma criação que inclui elementos dessas diversas culturas para produzir obras de arte que são brasileiras, formas brasileiras de manifestação e representação.

Convivemos na escola com propostas metodológicas, projetos político-pedagógicos, parâmetros e diretrizes curriculares, etc. O que fazer com tudo isso? A sugestão que trago aqui é fazer como os modernistas: absorver, deglutir, saborear e usar como fundamento para uma nova criação local. O que for útil deve ser usado, o que não for adequado, pode ser descartado.

E como fazer tudo isso? Como separar o “joio do trigo”? Como separar o que é útil do que é inútil, como fazer útil o que é obrigatório? Não sei, não tenho a resposta. Na verdade, não existe a resposta. São muitas respostas, muitas possibilidades, em cada local, uma conformação diferente será a mais adequada, com certeza. Esta resposta precisa ser produzida em cada local, em cada escola, em cada momento particular.

E na escola, como fazemos?

E como chegar a essa produção? Mais uma vez a proposta é quase óbvia, como o ovo de Colombo. Em parceria com colegas dentro e fora da escola, discutindo e estudando tanto as dificuldades como as boas coisas que produzimos e conhecemos.

Os colegas da escola, que só encontramos na hora do café, é preciso encontrá-los por mais tempo e de forma organizada e produtiva, em reuniões para discussão e estudos para as quais se vai com dúvidas, dificuldades e questões em mãos. Deve-se, também, levar para esses encontros as soluções e atividades interessantes que realizamos, outras propostas curiosas e de valor que se conhece, etc.

Os colegas de fora da escola, é preciso encontrá-los nos textos, nas revistas, na Internet, em vídeos, na TV Escola e até aqui, no Salto para o Futuro.

Alguns desses ambientes e produtos, como os programas do Salto para o Futuro, são interativos, isto é, oferecem canais de comunicação entre os que eram conhecidos como assistência e os que eram conhecidos com autores ou especialistas. Veja que digo “eram conhecidos” porque, quando se cria a interação direta, interfere-se no produto e a autoria passa a ser da rede composta por todos os que tomam parte interagindo e interferindo no que se realiza.

Os programas do Salto para o Futuro, por exemplo, seriam outra coisa, muito menos interessante, se não contassem com a participação de professores das escolas. Participei de alguns em que os canais de comunicação, por algum motivo técnico, deixaram de funcionar. Eram programas muito menos interessantes do que quando os professores participavam. Nossa percepção é de que a escola havia faltado ao programa naqueles dias. Foram poucos, felizmente, mas serviram para deixar evidente que, quando a escola não aparecia lá, vivamente, o programa ficava mais insosso e menos conseqüente. Seu potencial de transformação era muito menor.

O mesmo acontece com muitos espaços na Internet. A Internet é hoje, muito mais do que um espaço de pesquisa, um espaço de produção e de colaboração. Vamos tratar, adiante, de alguns desses espaços. Antes é preciso tocar em um ponto sensível e importantíssimo: quem arca com o tempo dessas reuniões, quem deve assumir a responsabilidade por esses encontros?

Quem ganha e quem paga

Quem ganha como tudo isso, quem ganha quando professores deixam de só ensinar e estudam para ensinar? Todos e cada um.

Ganha a escola com equipe de professores em formação continuada e em equipe, o que gera relações mais sólidas e produtivas. Estarão, além disso, mais envolvidos com o projeto pedagógico na medida em que são co-autores.

Ganham os professores que, ao participarem de formação continuada e regular, passam a ter na sua escola um lugar em que também aprendem e, por isso, ensinarão ainda melhor do que já fazem. Ganham ainda o direito e o prazer de se tornarem aprendizes. Descobertas e construções intelectuais são das coisas que mais nos divertem. Serão professores que podem mais, autores em colaboração, que conquistam maior autoridade, palavra que deriva justamente de autoria. Ganham os alunos, que contam com professores ainda melhor preparados e atualizados tanto em questões pedagógicas quanto de seu conteúdo específico e conhecedores do que acontece nas outras áreas e nos trabalhos dos colegas.


Ganha o sistema de ensino, que se torna mais eficaz e pode oferecer um ensino mais adequado e contextualizado em cada local, em cada escola. Ganha, finalmente, a comunidade.

Se ganham tantos, quem deve arcar com o esforço? Todos, naturalmente. Professores devem ter direito – e isso se conquista – a tempo pago para formação no local em que trabalham, formação a ser realizada em rede, com colegas e com acesso aos recursos de que dispõe a sua escola. Estes mesmos professores precisam criar as condições para que esses encontros possam se tornar realidade, definindo horários e espaços em que possam se reunir em pequenos grupos que tenham interesses em comum. A equipe gestora da escola precisa facilitar e estimular acesso aos recursos de que dispõe a escola, como computadores, acesso à Internet, bibliotecas videotecas e afins.
Internet, um mundo de produção e colaboração

Encontramos, hoje, na Internet uma enorme gama de possibilidades, para dar suporte ao aprimoramento do que fazemos na escola. Vou-me referir a duas possibilidades apenas: o Portal do Professor (http://portaldoprofessor.mec.gov.br/), criado e mantido pela SEED/MEC e o Porta Curtas (http://www.portacurtas.com.br/index.asp) site que nos oferece algumas centenas de curtas-metragens.

Ambos são espaços em que encontramos recursos úteis para nosso trabalho e, junto a eles, análises feitas por professores, colegas nossos, com sugestões de uso dos materiais em atividades com estudantes. Mais importante ainda, são espaços em que podemos colaborar, analisando o que lá está, interagindo com quem fez as sugestões e fazendo outras, apresentando para troca, com outros educadores, o que você realiza com seus colegas e alunos em sua escola.

Comecemos pelo Portal do Professor. Lá você encontra uma enorme variedade de produtos tanto para usar com seus alunos quanto para seu estudo pessoal. Nos produtos voltados para uso com estudantes, há aqueles para serem utilizados em aulas expositivas e outros que podem ser manipulados e explorados diretamente pelos alunos em atividades investigativas ou de simulação. O Portal apresenta na sua tela inicial 6 opções (veja Ilustração 1) e, cada um deles se desdobra em outras tantas.

Vá lá, explore um pouco o acervo, convide um ou dois colegas para explorarem a muitas mãos, mostrem uns para os outros o que encontraram, escolham alguma aula proposta para modificar e usar com seus alunos. Depois, voltem ao portal para comentar sua experiência com o material que utilizaram.

Aqui começa uma experiência completamente nova para boa parte de nós professores do Ensino Básico: a troca entre pares. Isso é prática cotidiana de cientistas e pesquisadores, às vezes com disputas acirradíssimas sobre o que estudam. Esta prática leva ao refinamento do que se estuda e contribui para ampliar as possibilidades de exploração dos recursos que temos. Não estamos falando apenas do domínio do conteúdo em si, mas das diversas e variadas formas de desenvolver o trabalho pedagógico sobre cada tema.
O “Espaço da Aula” é, em minha opinião, a novidade mais interessante em se falando de Internet e de colaboração. É ali que encontramos sugestões de atividades postadas por outros professores. O portal é bem novo mas já conta com muitas aulas. É fácil encontrar algumas que sejam do seu interesse, porque elas estão classificadas de várias formas: por componente curricular, nível de ensino, tema abordado etc.

Para um mesmo conteúdo, você encontrará propostas de trabalhos por projetos, aulas expositivas, trabalhos explorando ambientes de pesquisa, atividades experimentais entre outros. Como propunha Oswald de Andrade em seu manifesto, a idéia é deglutir e saborear todas as sugestões para, a seguir, criar a sua aproveitando de cada uma, o que for mais útil à ação que estiver desenvolvendo.

Veja que, assim, você e seus colegas começam a formar uma rede de formação permanente em seu colégio, ao mesmo tempo em que passam a integrar uma rede maior, de que participam professores de todo o país. Era deste convite que falava no início do texto.

Navegue pelos outros espaços do Portal do Professor. Verá que há muito o que explorar ali, muito o que usar e muito o que contribuir. E, quando quiser interagir diretamente com outros colegas que estejam distante de você, use o espaço de interação e comunicação. Ali você encontra salas de bate-papo em que pode encontrar colegas distantes para discutir suas produções.

O Porta Curtas (http://www.portacurtas.com.br/index.asp) é um site mantido pela Petrobras com um enorme acervo. Hoje, enquanto escrevo este texto, o site informa que tem pouco mais de 4400 curtas catalogados e quase 650 que podem ser vistos na íntegra no próprio site. Destes muitos estão comentados por professores com sugestões sobre como utilizar na escola.

Há um espaço especialmente voltado para nós, educadores, é o “Curta na Escola”. Bem na página inicial há um link para este espaço.Lá se encontra o acervo de filmes que estão acompanhados de comentários de professores de escola relatando o uso que fizeram. Para outros filmes há alguns pareceres pedagógicos feitos por pedagogos convidados. Em cada um o autor do parecer discute brevemente a temática do filme sob alguma perspectiva em particular e propõe uma atividade, que chamam de “situação didática”.

O Porta Curtas é mais um espaço que nos provoca a experimentar práticas novas na escola. São atividades escolares que tanto podem ter os vídeos com elemento disparador, como provocar a realização de vídeos nas escolas usando o que é possível fazer com os computadores que lá estão.
Mas, acima de tudo, é um espaço de interação, de trocas entre professores e destes com especialistas e pesquisadores. Navegue um pouco pelo espaço, dê a si o temo de vagar um pouco pelo que há ali, tenho certeza de que vai divertir-se além de encontrar bom material para seu trabalho.

Realizando alguma atividade com o que está ali, não deixe de registrá-la e postar seu comentário no Porta Curtas. Com certeza será útil para outros professores.

Conclusão

O que se delineia para nós, professores, neste tempo de acesso irrestrito a informação, tempo em que somos bombardeados com um volume inédito de informações tanto úteis como inúteis, tanto verdadeiras como falsas, é uma nova forma de ser e de atuar profissionalmente. Não somos mais quem traz informação para nossos estudantes, os meios de informação fazem isso de forma muito mais ágil e completa. Mas nem sempre a informação é correta ou, mesmo quando correta nos chega de forma que nos seja útil.

Nosso novo papel é o de junto com nossos alunos aprender a analisar essas informações, selecionar as que podem ser úteis ao nosso trabalho e produzir conhecimento localmente. É o de aprender a transformar informação em conhecimento.

Deixamos de ser provedores de informação para sermos produtores de conhecimento. Cá para nós, dá mais trabalho, mas é muito mais divertido. Este era o convite que fazia junto com a provocação inicial: entre nessa rede e venha divertir-se conosco. E não deixe de trazer seus colegas e seus alunos junto.
Alberto Tornaghi - Professor no Departamento de Informática Educativa do Colégio Santo Inácio, no Rio de Janeiro. Consultor na área de formação docente. Consultor da série.


2 comentários:

Anônimo disse...

O professor pode muita coisa sim e às vezes parece nem se dar conta de sua capacidade...Ou será comodismo? A verdade é que em meio a um universo repleto de tantas informações e tecnologias, o professor deve, sem dúvida, sempre buscar novidades, trocar experiências com os colegas, enfim “absorver, deglutir, saborear” tudo o que for pertinente e positivo. O educador do século XXI, por exemplo, não pode estar fadado a um discurso comodista, de que não tem tempo, que ganha pouco ou, ainda, que está cansado e já fez demais. O uso da internet por vezes é negligenciado por muitos. Quando é uma ferramenta riquíssima e uma aliada forte tanto para o conhecimento, quanto para a troca de informações com outros colegas e na própria sala de aula, com os seus alunos. No entanto, há que se observar os critérios de seleção da qualidade do que se extrai, pois há muita coisa boa, mas muita coisa que deve ser rejeitada. Assim, o convite, ou melhor, a provocação feita pelo professor Alberto Tornaghi é muito relevante, tendo em vista que não é uma tarefa fácil para o professor adotar essa postura ativa, mas indubitavelmente é muito mais prazerosa e significativa para todos.

Anônimo disse...

O professor pode muita coisa sim e às vezes parece nem se dar conta de sua capacidade...Ou será comodismo? A verdade é que em meio a um universo repleto de tantas informações e tecnologias, o professor deve, sem dúvida, sempre buscar novidades, trocar experiências com os colegas, enfim “absorver, deglutir, saborear” tudo o que for pertinente e positivo. O educador do século XXI, por exemplo, não pode estar fadado a um discurso comodista, de que não tem tempo, que ganha pouco ou, ainda, que está cansado e já fez demais. O uso da internet por vezes é negligenciado por muitos. Quando é uma ferramenta riquíssima e uma aliada forte tanto para o conhecimento, quanto para a troca de informações com outros colegas e na própria sala de aula, com os seus alunos. No entanto, há que se observar os critérios de seleção da qualidade do que se extrai, pois há muita coisa boa, mas muita coisa que deve ser rejeitada. Assim, o convite, ou melhor, a provocação feita pelo professor Alberto Tornaghi é muito relevante, tendo em vista que não é uma tarefa fácil para o professor adotar essa postura ativa, mas indubitavelmente é muito mais prazerosa e significativa para todos.