domingo, 12 de outubro de 2008

O 15 de outubro e suas transformações

O Dia do Professor foi festejado pela primeira vez em 15 de outubro de 1933, com missa e sessão cívica no Instituto de Educação do Rio de Janeiro. A iniciativa partiu da Associação dos Professores Católicos do Distrito Federal (APC-DF) e chamou-se Dia do Primeiro Mestre. A idéia veio do presidente da Associação, Everardo Backheuser, com objetivo de dar às pessoas ocasião para que demonstrassem sua gratidão ao seu primeiro professor ou professora.
Homenagem – Com o passar dos anos, a comemoração se difundiu e ganhou novos significados, sem que se perdesse seu sentido original de homenagem. E tornou-se também assunto de polêmicas na imprensa e de disputas políticas num Brasil cada vez mais urbano e industrializado.
Primeira lei – O dia 15 de outubro foi escolhido porque nessa data, em 1827, o imperador D. Pedro I assinou a primeira lei sobre ensino primário no país. O decreto imperial regulamentava a distribuição das unidades escolares, o salário dos mestres, a forma de ingresso no magistério e as disciplinas a serem ensinadas a meninos e meninas. No mesmo dia, foram designados os vigários para as paróquias existentes em todo o país, o que foi um marco importante também para a Igreja Católica.
Novos anseios – Cem anos depois, a educação brasileira passava por um grande questionamento, em que se contrapunham aqueles que defendiam a primazia da Igreja Católica na condução da tarefa de educar e os que queriam uma escola primária laica e universal, moderna e mais próxima dos ideais republicanos.
Reforma – Em 1927, o então Diretor Geral de Educação do Distrito Federal era o mineiro Fernando de Azevedo. Ele aproveitou as comemorações do centenário da primeira lei e as conseqüentes discussões sobre a importância da data para propor e dar início a uma grande reforma do sistema educacional do Rio de Janeiro, já nos moldes da educação nova. O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, de que Azevedo foi um dos formuladores e primeiro signatário, reforçou o movimento.
Difusão – Foi nesse contexto que, em 1933, a APC-DF conclamou a população e o magistério católico a homenagearem os velhos mestres em todo o país. No artigo Celebração e visibilidade: o Dia do Professor e diferentes imagens da profissão docente no Brasil (1933-63), publicado na Revista Brasileira de História da Educação (São Paulo, volume 8, dez., 2004), a professora e pesquisadora Paula Perin Vicentini, da Universidade de São Paulo (USP), relata que a idéia encontrou eco principalmente em São Paulo, onde o Centro de Cultura Intelectual promoveu uma série de atividades e ajudou a divulgar a iniciativa.
A padroeira – O mesmo fez a Liga do Professorado Católico de São Paulo, que já festejava em 15 de outubro a patrona da entidade – Santa Teresa D´Ávila. Proclamada “doutora da Igreja” em 1970, a santa já tinha sido designada como a “padroeira do magistério” em 1949. “Creio que a iniciativa de comemorar o Dia do Professor em 15 de outubro pode ser entendida como estratégia utilizada pelos educadores católicos para ampliar ou fortalecer sua influência junto aos professores, cuja importância na disseminação dos ideais católicos era bastante considerada”, disse Paula Vicentini ao PORTAL MULTIRIO.
Comissão – Ainda em São Paulo, foi criada, nos anos 40, uma comissão pró-oficialização do Dia do Professor. A esse movimento aderiram entidades de classe como o Sindicato do Ensino Primário e Secundário, a Associação dos Professores do Ensino Secundário e Normal Oficial do Estado de São Paulo (Apesnoesp) e a União Paulista de Educação (UPE).
Oficialização – A comissão conseguiu, em 1948, que o 15 de outubro fosse declarado feriado escolar estadual pelo governador Adhemar de Barros. A partir de então, a imprensa começou a noticiar as solenidades realizadas por diversas unidades escolares, ginásios e escolas normais. O Estado, por sua vez, deu maior ou menor ênfase à celebração nos anos seguintes, de acordo com a relação que se estabeleceu entre ela e as lutas da categoria por melhores salários, condições de trabalho e maior prestígio social.
Imprensa – Paula Vicentini considera que a cobertura da grande imprensa às comemorações do Dia do Professor, tanto em forma de noticiário quanto em comentários, contribuiu para a incorporação da data ao imaginário coletivo. Mas o engajamento e o enfoque dado a essa cobertura por cada veículo é revelador das relações entre o campo educacional e o jornalístico. Se, por um lado, havia o alinhamento de alguns jornais com as posições dos patrões ou do Estado, por outro as entidades de classe tinham também sua influência, e o professorado aparecia como um segmento potencial de leitores que era interessante atrair e manter.
Polêmica – No Rio de Janeiro, então Distrito Federal, o feriado do Dia do Professor, noticiado pela primeira vez em 1951, encontrou resistência por parte dos donos de escolas privadas. A polêmica se refletiu na imprensa. Enquanto O Globo questionava, na primeira página de 15/10/1951, que se tinha menos um dia de trabalho no calendário escolar – “estuda-se seis meses no Brasil e paga-se um ano inteiro” –, o Correio da Manhã criticava, em 1953, o não cumprimento da lei que decretava o feriado por parte das instituições privadas de ensino.
Sacerdócio – Vale notar que o jornal carioca Última Hora, em 1951, promoveu, por ocasião da data, a eleição do Patrono do Professorado Carioca, entre vultos importantes ligados à educação e já falecidos. Na disputa estavam nomes como Rui Barbosa, D. Pedro II, Abílio Cesar Borges, Ernani Cardoso e Benjamin Constant. Mas o vencedor foi o padre José de Anchieta. De acordo com Paula Vicentini, “a vitória de Anchieta evidencia o predomínio de uma concepção sacerdotal da docência, em que sacrifício, abnegação e dedicação se associavam na descrição de um mestre exemplar”.
Reivindicações – Nos anos 30 e 40, as comemorações do Dia do Professor quase sempre se limitavam a exaltar a abnegação e dedicação desses profissionais no cumprimento de sua “nobre missão”. Porém, a partir do final dos anos 50, sem perder seu lado afetivo de homenagem, o Dia do Professor ganhou também um caráter de protesto e reivindicação do magistério por melhores remunerações e condições de ensino. Em São Paulo, instaurou-se “entre o Estado e as associações docentes uma disputa para apropriar-se da comemoração e atribuir-lhe diferentes sentidos, tanto para o movimento docente quanto para a imagem social dos professores”, escreve a autora.
Jango x Lacerda – Na capital do país, a disputa maior continuava a ser com as escolas particulares. Em 1963, os diretores dessas instituições, apoiados por Flexa Ribeiro, secretário de Educação do governador Carlos Lacerda, ameaçaram obrigar os professores a trabalhar no 15 de outubro em represália às reivindicações salariais. Mas a estratégia foi neutralizada pelo decreto do presidente da República, João Goulart – opositor de Lacerda – transformando o Dia do Professor em feriado nacional da categoria.
Esvaziamento – A comemoração do 15 de outubro é, hoje, feita nas escolas, principalmente, nas de Educação Infantil e nas das primeiras séries do Ensino Fundamental. Para Vicentini, são necessários novos estudos para identificar os significados que permanecem associados a esse tipo de iniciativa e também os novos sentidos atribuídos a ela. Mas a pesquisadora percebe que a data tem sofrido “um processo de esvaziamento nas últimas décadas”, com poucas menções na imprensa e na mídia em geral.

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